sábado, 2 de janeiro de 2010

Uma carta pra você




Acho que hoje, o que eu mais preciso pra salvar esse finzinho de dia, de ano, é escrever uma carta pra você. Eu ainda não sei sobre o conteúdo. Tenho tanto a te dizer, no entanto, são sentimentos profundos demais, raramente consigo transformá-los em palavras. Deixo meus dedos guiarem meus sentidos então, porque eu só preciso escrever essa carta pra você.

Por que uma carta? Eu poderia falar com você, tagarelar sem parar, como sempre faço. Mas talvez uma carta... talvez esta carta consiga dizer mais do que eu consegui até agora. É só uma tentativa de estabelecer um contato mais forte, vitalício, algo eterno com você que é o grande amor da minha vida. Você, que foi braço em incontáveis abraços, inestimáveis carinhos; que foi boca, em eternas lições, em fartos beijos sem preconceito, só amor; que foi corpo quente nos invernos, escudo nos perigos, força em todos os exemplos; que foi olho pra olhar dentro de mim, pra chorar minhas vitórias, pra brilhar orgulho todos os dias, fosse o que fosse, pra indicar a melhor direção; foi voz e riso diariamente, nas partilhas nossas em forma de conversas, brigas, brincadeiras, curiosidades, nas nossas fantasias que tanto alimentaram a magia que foi a nossa vida.

Ora! Você foi tanto na minha vida, como conseguir resumir este tudo pra caber nesse papel? Você me concebeu para este mundo, mas antes disso me escolheu para dar um amor que até hoje eu não identifiquei em lugar nenhum. Você me tornou apta para a vida, me aceitou tão completamente, me admirou nos erros e nos acertos, porque sabia, sempre soube, o que estava fazendo. Foi minha amiga, companheira, alma gêmea de todos os segundos. E hoje, o que me resta? Essa carta e esse turbilhão de emoções que se acumulam dentro de mim, dia a dia, sufocadas, famintas, perdidas.

Daqui de baixo, sei que minhas tagarelices não passam de monólogos descabidos. Mas eu sei que não falo sozinha, que você recebe e responde cada palavra que eu envio pra você. Como é difícil! Não paro pra pensar muito no quanto essa nova realidade mudou a minha vida pra pior, porque senão eu me convenço de verdade que a vida é uma enganação, e você não me criou pra isso. Mas como é difícil viver sem você!

Eu sei, eu sei... não estou sozinha. Você recebe cada palavra e responde, e eu tenho mesmo o poder de te sentir. Mas viver aqui nesse mundo complica um pouco a manutenção de certos dons, de certas crenças. Eu sempre vou chorar, quietinha, sozinha, a sua partida, o seu vôo pra longe de mim. Eu não queria conversar por monólogos, não queria manter-me unida só dessa forma – pelo coração e pela alma – pelas transmissões de pensamentos, pelas lembranças, os porta-retratos, as lições que você me deixou e que são tantas. Eu queria que a minha vida continuasse, de verdade, consistente, emocionante, intensa, mas isso só era possível de um jeito. Do jeito que era antes.

Mas eu vou mudar o rumo da conversa agora. Não quero te enviar uma carta de lamentações, ela já vai encharcada de lágrimas e isso basta, você não merece a tristeza. Você foi a luz de tantas vidas! Foi alegria pura e cristalina onde não havia qualquer condição para isso. Você era a parte mais viva de mim, mais brilhante, mais sensível. Hoje, eu estou tão confusa, solta aqui nesse mundo sem nexo!

O que eu faço, mãe? De que serve um lago sem água, um céu sem pássaros ou nuvens, um jardim sem flores, um olhar sem brilho? Eu nunca fui uma pessoa silenciosa, mas quer saber? O silencio baixou sobre mim, anulou os ruídos animados e otimistas da minha esperança. Já faz algum tempo e até agora eu não consegui ressuscitar a minha alma que sempre foi movida a você.

Do que a gente vai brincar hoje? O que você quer que eu leia pra você desta vez? O que a gente vai aprontar de novo nesse natal? Vamos fazer um doce bem suculento e comer só nós duas, escondido? Vamos sair e olhar todas as vitrines que tiver na cidade? Vamos rir?

A vida com você nunca foi silenciosa, chata, monótona. Cada dia era uma surpresa diferente, um sabor melhor. Mesmo com todas as dificuldades e com todos os sonhos mais básicos que a gente tinha pra realizar, como comprar um sofá bem gorducho e pintar as paredes de cor-de-rosa. Havia uma motivação tão forte na sua presença, uma energia que nunca mais nós vamos achar igual.

Acho que Deus não me entendeu muito bem, mãe. Eu pedia por mudanças, por transformações na minha vida, mas todas elas incluíam você, em todas eu só me via junto com você. Mas aí, sei lá, o céu se revoltou e mudou tudo mesmo, só que de um jeito cruel. Foi a pior mudança que eu já vivenciei até hoje e agora eu não consigo me recuperar. Eu tenho feito tudo o que posso, e tenho acompanhado o movimento frenético do mundo; tenho sobrevivido e até cumprido com algumas obrigações, e tenho sentido amor por tudo e todos, no máximo que eu posso, mas aqui dentro ainda está escuro e frio, e eu tô sozinha... tão sozinha! Sem você por perto é assim, sempre foi: solidão pura. Porque você me compreendia mesmo, alimentava o meu coração com tudo o que ele precisava, a minha alma com o calor que só você transmitia.

Essa superficialidade me mata! Eu gosto das coisas mais profundas, mais intensas! Eu nasci pra viver em dupla com você, na nossa sintonia perfeita, no nosso amor sobrenatural. Somos mãe e filha, e sabe-se lá há quantas encarnações é assim, mas com você eu sentia que realizava o sonho de viver um lindo romance. Nós nos fazíamos tão felizes... você me fez tão feliz!

E agora, mãe? Há mais de um ano eu me pergunto isso diariamente: E AGORA? Onde, ou em quem, eu vou encontrar motivações tão verdadeiras, detalhes tão reais pra ser feliz daquele jeito. Não tínhamos nada e éramos felizes!

Sabe, mãe, depois que você se foi muitas coisas foram se transformando dentro de mim, eu descobri muita coisa boa pra mim, eu aprendi coisas importantíssimas numa velocidade incrível; conquistei algumas coisas também e até conquistei uma certa segurança íntima que tem me mantido em pé. Surgiram algumas missões também, e até que bem interessantes, embora custosas, difíceis. Talvez eu esteja aprendendo a encarar a vida com a frieza que ela merece, só que admito: eu não sou uma pessoa fria e não gosto de gente fria. Mas há situações que treinam nosso olhar, nossas ilusões. Paciência, amor, servidão têm sido alguns dos maiores desafios que tenho passado, e as vezes me desespero, mas ainda assim em silêncio. A gente se esforça tanto pelas vidas ao nosso redor, luta tanto contra o tempo, mesmo sabendo que no final ele sempre vence e engole tudo o que a gente fez com tanto custo, com tanto sentimento. Ele vem, engole nosso trabalho, nosso sacrifício, e pior, tudo o que a gente mais ama.

Mas não é por isso que deixamos de tentar adiá-lo, não é mesmo? Afinal, sempre vale a pena, mesmo que seja só um dia a mais, uma hora a mais, um minuto a mais. Um olhar a mais, um sorriso ou uma palavra a mais, até mesmo um simples gesto a mais fazem valer a pena. É, no final, mesmo que o tempo vença sobre nossos esforços, somos nós que ficamos com o melhor dessa história toda: a nossa história. O tempo não deve nem imaginar o gosto que tem um abraço de mãe, um beijo, um cafuné, uma presença tão maravilhosa como a sua sempre foi e sempre será pra mim.

Valeu a pena cada dia, cada risada, cada lágrima, cada momento que eu dediquei a você. E que bom que eu tive a inspiração celestial de dedicar o máximo de tempo que eu pude a você. De dedicar-te meu sonho de amor, tudo o que eu sou, pois hoje é o que mais me dá orgulho e força pra continuar vivendo, mesmo em meio a esse silêncio ensurdecedor.

Te amo, alma gêmea.