sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Lugares




Já passei por alguns lugares (não muitos, ainda), observei certas diferenças e me assustei com alguns extremos causados pelas particularidades regionais. Mas quando eu penso nos tantos lugares do mundo, me lembro com carinho do meu.


O lugar perfeito pra mim precisa ter espaço. Nunca me imaginei presa em um apartamento, por exemplo, e também nunca me preocupei com o barulho por causa dos vizinhos. Tenho vizinhos em volta, sim, mas é longe o bastante para que músicas, berros, brigas e bagunças fossem praticadas com total liberdade. Além disso, o lugar perfeito, em minha concepção, precisa ter muito verde, ar geladinho e sossego para poder largar a porta aberta o dia inteiro, sem preocupação.


Fui criada num lugar assim e o defino como o meu “Pedacinho de céu”. É simples, sem luxo nenhum, e precisa, até agora, de muitos ajustes ainda, mas quando penso nele, o vejo de uma maneira especial. Quando penso na minha casa eu lembro da rua de terra (de terra até hoje), do portão em frente a linha do trem. Lembro de quando eu era pequena e adorava quando chovia forte, porque assim formavam-se várias poças d’água naqueles buracos da terra vermelha onde eu nadava como se fossem represas maravilhosas. E eu pegava aquela lama, passava no corpo todo e ficava lá esticada, no meio da rua, em cima dos montes de terra até empedrar. As pessoas passavam e cada uma demonstrava uma reação diferente: espanto, curiosidade, diversão, dúvida. Ainda bem que criança pode tudo.


Só agora eu consigo ver o quanto meus pais foram generosos comigo. Eles podiam ser chatos, ranzinzas, medrosos, mas não... eles me deixavam aprontar das minhas em paz, e isso me fez muito bem. Depois, quando eu chegava toda enlameada, era motivo de piadas pra eles. O melhor dessa festa era o banho de mangueira que meu pai me dava, que era pra tirar o grosso da lama que grudou em mim e na minha roupa. Aquilo tinha um gosto diferente.


Também não consigo esquecer das vezes em que meus primos e primas que viviam mais perto da Capital iam nos visitar. Aquela turma pegava fogo! Naquele terreno grande nos espalhávamos e brincávamos de guerrinha de lama. Puxa, a noite caía e nós continuávamos ali, como que forçando para que o dia não acabasse mais. Levei muitas bolas de lama nos olhos e nos ouvidos... inesquecível! Entre brigas e defesas, choros e risadas, estávamos unidos por um mesmo propósito: brincar, brincar, brincar! E depois, íamos todos para o banho de mangueira de meu pai, na maior ansiedade, no maior prazer.


Minha mãe só brigava quando eu fugia. Tinha mania de sair cedo de casa e brincar na rua com aquele monte de crianças que havia em volta e só chegava tarde da noite. Ela ficava gritando lá do terraço, mas eu não ouvia (em algumas ocasiões eu só fingia que não ouvia), e quando chegava, depois que o sol já tinha se recolhido, levava broncas e petelecos e nunca entendia porque passar o dia brincando na rua era algo tão ruim. Agora eu sei, né...rs.


E por falar em gritos, os da minha mãe eram famosos. Professora né, tinha um gogó poderoso. Ela mal saía da porta, só soltava um berro e o Bairro todo sabia quem era, e estava me procurando. As vezes dava até pra sentir, pelo berro, se ela estava brava ou não. Quando eu fiquei mais mocinha (não muito, mas já adolescente), ia passear na pracinha, que fica do outro lado da linha do trem, porém ainda em frente à minha rua, pra paquerar e até namorar escondido. Como era ainda novinha, minha mãe não me deixava namorar, mas eu sempre fui precoce e com 13 anos já dava os meus beijinhos...rs.


Um dia, sentada na pracinha ao lado do meu então namorado, mão com mão, aquele frio na barriga característico e até muita vergonha (tinha vergonha sim, mas não tinha medo...rs), estávamos naquele galanteio todo (afinal, aquele tipo de namoro resumia-se a beijinhos rápidos e discretos, já que era escondido e cheio de medo) quando ele me perguntou a que horas eu tinha que ir embora. Eu, não querendo pagar mico na frente dele né, disse que não tinha hora. Pá! Foi eu acabar a frase já ouvi o berro de minha mãe: “AaaaaaaLlllliiiiiiiiiizzzzzzzzzzzzzzz”, lá do terraço de casa. Ai que vergonha! A praça inteira ouviu e virou-se pra mim, sem dizer que ele olhou com aquela cara de “ah tá... não tem hora pra ir embora, né?”. Hoje eu dou muita risada disso (minhas amigas e irmã também...rs), mas na época foi humilhante, terrível, destruidor!


Cheguei em casa e falei pra minha mãe que esses gritos dela acabavam com a minha vida social. Ela ria muito, sabia o quanto eu estava sendo boba. Ela dizia assim: “quando você crescer, vai lembrar dessas convencionices bobas em que acredita agora e vai sentir tanta vergonha, mas tanta vergonha!”. É verdade mesmo...rs. Como adolescentes são bocós! Ahahahahahahaha...


Eu tenho muito orgulho por ter sido criada como fui, naquela simplicidade toda, numa cidade do interior, ser uma típica caipirinha mesmo. Além da liberdade, do sossego, do espaço, há um Q de pureza típico desses lugares que inundam a alma da gente mesmo depois que somos adultos.


Mesmo sendo ambientes perfeitos para a fofoca, a maledicência e todas essas coisas próprias de cidades pequenas, foi lá que eu aprendi a sentir as diferentes variações de terra, a admirar o céu muito limpo, as estrelas sempre visíveis, os cachorros vira latas e os gatos coloridos, a apanhar fruta no pé, subir em árvores, ver de perto diferentes espécies de animais, aprender com as curas alternativas praticadas pelos antigos, balancear as crenças dos velhos com as mudanças trazidas pelos novos, ouvir o som dos sotaques, pular cercas de arame farpado e me estrepar toda nelas, a ficar esperando pelos apitos dos maquinistas que sempre davam tchauzinhos às crianças na beira da linha, ir a pé para a escola, deitar na grama, rolar na lama, colher na horta e no pomar, ver flores desabrocharem, enfim... crescer conforme a vida simples ia acontecendo.

4 comentários:

Unknown disse...

Adorei o texto!!! Tive o enorme prazer de vivenciar junto com você, minha vizinha e prima maravilhosa, vários destes momentos que foram comentados. As lembranças, os momentos felizes, que são as únicas coisas que levamos desta vida, começaram a fluir em minha mente, tanto que comecei até a rir aqui sozinha em frente ao computador...e isso é ótimo, principalmente, para começar o dia!!!haha...
Me lembro muito bem dos gritos da sua mãe (que eu escutava até da minha casa), das nossas inúmeras brincadeiras, dos poemas que você desde pequena já queria ficar escrevendo e eu, como nunca fui boa em redação, tinha que te acompanhar, quer dizer, tentava copiá-los (hahaha), do que a senhorita aprontava, principalmente, com nosso vizinho e amigo (produzindo até lágrimas para ele tomar...loooonga história esta...kkkkk). Enfim, aproveito o ensejo para parabenizá-la pelo blog! Sou fã dos teus textos e desta prima que tanto amo...você Aliz!

Beijos

Aliz de Castro Lambiazzi **jornALIZta** disse...

Dri, prima querida, fiquei emocionada com o seu depoimento, pois você vivenciou isso tudo junto comigo. Crescemos juntas e hoje, além de prima, te tenho como uma de minhas melhores amigas. Gosto muito de relembrar as nossas hitórias, a minha infância, porque isso me formou como pessoa, e você, sua mãe, sua avó, enfim, todos os seus, fizeram parte disso também.
Obrigada! Te amo!
Aliz

Tatemoto Neide Teruko disse...

Sua alma generosa, seu astral sempre alto têm explicação: sua infância.

(conceitos como liberdade, respeito ao próximo vamos adquirindo desde pequenos. Quando chegamos na fase adulta os temos acumulados e, dificilmente mudamos.)

Cada palavra que escreve vou te conhecendo mais e cada vez mais te admirando.

Ksssss

Anônimo disse...

Alizinha,

Minha querida, seus textos e seu jeito de escrever, me leva para um lugar que eu nunca ví, mas sei que exitiu. Coisas que você viveu uns vinte anos atrás, a nostalgia transmitida parecem sentimentos de cinquenta anos.... Óbvio que também não vivi (rs)

O que você postou, é um belo romance....

Bzz